30 anos sobre o massacre de Santa Cruz que mudou o destino de Timor-Leste

Timor -Leste flag

Source: Ameeta Jain

Confira na crônica desta semana do correspondente do Programa Português da Rádio SBS em Lisboa, Francisco Sena Santos.


“Sobre Timor, um fogo fino paira, alastra, crepita quando da terra se aproxima”


Assim escrevia em 1947 o despojado poeta, etnógrafo, silvicultor. Meteorologista, Ruy Cinatti em declaração de encantamento pelas pessoas habitantes, pela natureza e pela ilha de Timor.


Mas, 8 anos depois, ao partir (em 55) Cinatti exprimia amargurado a dor pelo desprezo e ignorância do distante e negligente regime colonial português pela cultura timorense e pela sabedoria com que esta tinha desenvolvido o equilíbrio com a natureza:


“Estão a destruir este ecossistema de pessoa humana e natureza”, clamava em 55 – Rui Cinatti, ao deixar a ilha com o poema morte em Timor a dizer-nos:

“Lágrimas são a chuva que nos molha a vida inteira”. Vinte anos depois, em 1975 a negligencia da administração colonial portuguesa passou, como comentou o recém falecido repórter Max Stahl, a “atrocidade por parte da potência ocupante indonésia”.


Nesse tempo  (1974/75)  alguns líderes do povo maubere (o povo timorense) sentiram os calores da revolução democrática portuguesa (25 de abril de 1974) e ousaram soltar a tomada de consciência política: avançaram sob a bandeira da Fretilin para a ambição de independência  - declarada em 28 de novembro de 1975.


Durou apenas 10 dias, porque em 7 de novembro a Indonésia esmagaria essa ambição de liberdade do povo de Timor: a Indonésia invadiu timor com grande poderio militar e a repressão associada. Invocou como pretexto ser preciso estancar lutas entre grupos timorenses rivais.


A invasão – que se prolongou por 24 anos - é um episódio brutal que a comunidade internacional nunca validou. mas que beneficiou de complacências.


Aquele era o ano 75, o ano da derrota final dos Estados Unidos da América no Vietnam. A Fretilin tinha a etiqueta dos comunismos do Pacifico e assim Washington fechou os olhos à ilegal invasão indonésia de timor.


Portugal demorou a despertar para o caso de Timor mas – a vontade de expiar pecados coloniais, purgar culpas, reparar erros, acabou por impor-se: em 86, Mário Soares eleito Presidente da República em Portugal passou a reclamar em todos os discursos internacionais o direito do povo timorense à autodeterminação; foi depois seguido nesta firmeza por 2 ativos ministros dos estrangeiros: Durão Barroso e Jaime Gama.

Coube-me como repórter acompanhar – em maio de 99 – 24 anos depois da invasão – acompanhar na sede das Nações Unidas em Nova Iorque mais uma das muitas rondas negociais Portugal – Indonésia. Dessa vez, já noite alta, o ministro indonésio Ali Alatas deixou a sala, depois o ministro português Jaime Gama abriu a porta, e ele que costuma ter sempre expressão grave, por uma vez sem esconder entusiasmo, declarou: a Indonésia aceita que o povo timorense seja consultado sobre o seu destino.


Houve referendo em agosto desse ano 99.


Os timorenses, apesar de submetidos por 24 anos à ocupação indonésia, conservaram o sentimento de identidade , a língua tétum, alguma ligação à portuguesa que entrava em Timor todos os dias pela rádio e sobretudo conservaram a vontade de independência e auto-governo, e assim votaram de modo maciço pela independência.

Seguiram-se semanas de terror. desencadeado por milícias orquestradas por gente do ocupante indonésio.


Ao fim de uma semana de atrocidade, em 7 de setembro de 99, o então Nobel da literatura José Saramago escrevia indignado para jornais de meio mundo:


“Que importa ao mundo que eu me sinta humilhado e ofendido…Que importa ao mundo que eu esteja a chorar lágrimas de impotência perante a indignação infame de um crime infame? Se esta desgraçada humanidade não impõe à Indonésia, em nome da moral – o acatamento imediato e incondicional da vontade do povo de Timor – pergunta-se: o que é que se passa com o ser humano?”


As lideranças portuguesas de então com Jorge Sampaio e António Guterres  à cabeça pressionaram o Conselho de Segurança da ONU que uma semana depois decidia por unanimidade – o envio da interfet – força militar internacional, sob o comando australiano, para a estabilização de Timor. O terror sofrido pelo povo timorense – naqueles dias e ao longo de 24 anos de ocupação – podia finalmente começar a ser estancado e a construção do país independente podia começar.

Mas para que a independência fosse possível foi determinante – o impacto das imagens de uma meia hora de barbárie – há precisamente 30 anos, 12 de novembro de 91:o massacre no cemitério de Santa Cruz.


Quando tropas indonésias dispararam à queima roupa sobre uns pelo menos 500 timorenses que iam em romagem à campa de um deles.

Morreram ali, nessa emboscada, 271 timorenses; outros mais nos dias seguintes.


Com um pormenor: daquela vez havia alguém que ao filmar toda aquela atrocidade abriu os olhos do mundo para a barbárie praticada pela Indonésia em Timor.


Esse repórter é o britânico Max Stahl, quando um cancro levou a vida do homem que ao fazer romper corajosamente o muro de silêncio abriu portas à independência de Timor.


Lembro-me de ouvir isso mesmo dito por Xanana Gusmão abraçado a Jorge Sampaio, na tarde de 12 de fevereiro do ano 2000, diante de uma das sepulturas no cemitério de Santa Cruz.

Sabemos como o coração de Jorge Sampaio lhe chegava aos olhos, mas naquele momento, Xanana também chorava.



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