Brasileira que fez intercâmbio na Austrália aos 60 anos: “Saber que você não precisa ser da mesma idade para interagir com um grupo de pessoas foi uma descoberta muito legal para mim”

Sandra Pereira

Sandra Pereira decidiu sair de São Paulo para estudar inglês na Austrália aos 60 anos de idade. "Eu fiz o intercâmbio quando deu, quando foi possível." Source: Supplied

Na contramão da maioria dos estudantes internacionais, que tem entre 20 e 30 e poucos anos, a contadora Sandra Pereira deixou São Paulo em 2018, aos 60 anos, e cruzou o planeta para fazer um curso de inglês na Austrália. “Eu não queria ir apenas como turista visitar monumentos e voltar, eu queria ter a experiência de viver em outro país”.


Segundo dados divulgados no site do Departamento de Educação do governo federal da Austrália, o número de estudantes internacionais no país em julho de 2021 era de pouco mais de 545 mil pessoas, 17% a menos do que em julho de 2020.

Isso por causa da pandemia da COVID-19 e do fechamento das fronteiras do país. 53% desses estudantes estavam matriculados em cursos de ensino superior, 38% em cursos técnicos (VET) e 5% em cursos de inglês.

Dos dados relativos ao ano de 2020, o Brasil foi o quarto país com mais matrículas nos cursos técnicos (VET) e o terceiro com mais matrículas nos cursos de inglês.

Números um pouco mais antigos, referentes ao ano de 2015, também divulgados pelo Departamento de Educação do governo federal da Austrália, mostram que 43% dos estudantes internacionais do país naquele ano, a maioria deles portanto, estavam na faixa etária dos 20 aos 24 anos de idade. Dentre os brasileiros, essa faixa etária também vinha em primeiro lugar, seguida dos estudantes de 25 a 29 anos, e depois aqueles com 30 a 34 anos.
Sandra Brighton
Sandra em um dos pontos turísticos de Melbourne, as Bathing Boxes, em Brighton Beach. Source: Supplied
Na contramão dessa maioria de estudantes internacionais que têm entre 20 e 30 e poucos anos, estão as pessoas que já numa idade mais madura resolvem viver a experiência de estudar no exterior. Esse é o caso da Sandra Pereira, contadora aposentada, que em 2018, aos 60 anos de idade, decidiu deixar São Paulo e cruzou o globo para fazer um curso de inglês na Austrália.

Sonho

Sandra conta que a decisão não foi tomada pelo fato de estar aposentada sem ter o que fazer, mas que já era um sonho dela aprender outras línguas e morar em outro país. “Eu não queria ir apenas como turista visitar monumentos e voltar, eu queria ter a experiência de viver em outros lugares.”

Sobre o momento escolhido para fazer intercâmbio, Sandra diz que teve que ir adiando por causa do ritmo de vida que tinha no Brasil e de outras prioridades, como a criação do filho único sendo mãe solo. Alessandro agora tem 21 anos e Sandra esperou ele estar maior para viajar e deixá-lo no Brasil. Depois ele também embarcou para a Austrália e encontrou a mãe em Melbourne.
Sandra Alessandro
Sandra com o filho Alessandro nos 12 Apóstolos, ponto turístico em Victoria.Ele chegou em Melbourne depois dela e ficou na Austrália após sua volta ao Brasil. Source: Supplied
A necessidade de aprender inglês para ‘se virar’ e se comunicar melhor nas viagens que gosta de fazer para outros países, foi outro motivo que levou Sandra a decidir estudar fora. “Inglês nunca foi fácil para mim, mas eu pensei: sou capaz. Eu vou lá e aprendo."

Desafios

Sandra conta que enfrentar desafios é algo que a instiga. Isso, segundo ela, tem relação com sua personalidade mas também com o fato de que a vida inteira ela teve que enfrentar desafios por questão de sobrevivência. “Sendo mulher, negra, mãe solo e vindo de uma família de baixa renda, eu consegui estudar, ser independente e conquistar tudo o que conquistei porque enfrentei os obstáculos sem me deixar abater.”
Sendo mulher, negra, mãe solo e vindo de uma família de baixa renda, eu consegui estudar, ser independente e conquistar o que conquistei porque não me deixei abater pelos obstáculos.
Justamente por já ter enfrentado muitas dificuldades no decorrer da vida, Sandra conta que se adaptar à nova rotina na Austrália foi mais fácil do que ela imaginava.

A maior preocupação dela era o fato de ter o inglês muito básico e o receio de não conseguir se comunicar, coisa que ela conseguiu fazer apesar de ter achado muito difícil entender o sotaque australiano. “Era diferente de todo o inglês que eu já tinha visto, ouvido e estudado. Mas eu fui me virando. Entendia o contexto, usava aplicativo de tradução.”

Sandra considera ter se saído muito bem, apesar da dificuldade com a língua e o sotaque local, pois conseguiu alugar apartamento e arranjar trabalho pouco tempo depois de desembarcar em Melbourne.  

Idade 

Para Sandra, a idade interferiu de forma positiva no intercâmbio dela. Ela tinha uma certa preocupação de não conseguir se ‘enturmar’ com as pessoas, principalmente na sala de aula, onde eram todos muito mais jovens do que ela, mas diz ter sido muito bem acolhida pelos professores e alunos.

“No Brasil os velhos vivem separados dos jovens. É como se fossem dois mundos totalmente diferentes. Quando eu cheguei na Austrália, percebi que não precisa ser assim. Eu ia para os pubs com meus colegas de sala e eles me tratavam de forma normal”, destaca Sandra, e completa: “As preocupações que eu tinha com relação à idade não fizeram o menor sentido aqui (em Melbourne).”
No Brasil os velhos vivem separados dos jovens. É como se fossem dois mundos diferentes. Na Austrália, eu ia para os pubs com meus colegas de sala e eles me tratavam de forma normal.
Sandra diz também que nunca teve problema com relação a conseguir trabalho. “Sempre demonstrei um bom trabalho, e é claro que isso conta, mas sempre surgiram oportunidades. Então acho que a idade não interferiu em nada. Muito pelo contrário. Para mim a idade foi algo muito positivo. Saber que você não precisa ser da mesma idade que um grupo para interagir com aquelas pessoas. Então foi uma descoberta muito legal para mim.”
Sandra pub
Sandra com colegas da escola em um pub: "Saber que você não precisa ser da mesma idade para interagir com um grupo de pessoas foi uma descoberta muito legal". Source: Supplied
Perguntada sobre o tipo de trabalho que fez em Melbourne, Sandra conta que trabalhou fazendo limpeza de casa e que conquistou clientes fixos, o que facilitou a jornada um tanto exaustiva. “Mas eu tirei de letra porque uma coisa que sempre fiz foi me cuidar, cuidar da minha saúde. Eu frequentava academia, fazia aula de Zumba e tenho uma excelente forma física. Pessoas mais jovens ficavam admiradas com a minha disposição no trabalho.”
Eu tirei de letra (o trabalho de faxineira) porque uma coisa que sempre fiz foi me cuidar, cuidar da saúde. Os mais jovens ficavam admirados com minha disposição no trabalho.
Preconceito

Sandra diz que não passou por nenhum episódio de racismo em Melbourne, apesar de saber que existe racismo na Austrália e já ter ouvido relato de pessoas que foram discriminadas pela cor da pele no país. “No Brasil isso é bem mais forte do que na Austrália por causa da educação e da cultura. Aqui (na Austrália) a pessoa pode até ser preconceituosa mas não vai deixar você saber, até porque pode ir presa por causa disso”.
Aqui (na Austrália) a pessoa pode até ser preconceituosa mas não vai deixar você saber, até porque ela pode ser presa por causa disso.
Com relação à idade, Sandra diz ter passado por um único episódio de preconceito quando foi tentar uma vaga em um hotel e a gerente a dispensou antes mesmo de pedir que ela fizesse um teste para demonstrar seu trabalho (algo muito comum na Austrália).

Sandra conta que sua ideia inicial era passar dois anos na Austrália, para aprender bem o inglês e ajudar o filho, que chegou depois dela, a se adaptar e ter tempo de ver se ia querer ficar mais depois que a mãe fosse embora. Mas com a pandemia da COVID-19 Sandra acabou ficando um pouco mais. “Eu não poderia vir visitá-lo caso ele ficasse na Austrália, e ele não poderia ir ao Brasil e voltar pra cá. Não sabíamos quanto tempo isso ia durar. Então eu estendi minha estadia na Austrália”.

Sandra, que nos concedeu essa entrevista no começo de outubro, agora já está de volta ao Brasil, depois de ter passado pouco mais de três anos em Melbourne. Durante esse período, ela estudou inglês por 10 meses e em seguida optou por fazer um curso técnico (VET) de Marketing, área de interesse dela. “Era uma forma de aprimorar e dar continuidade ao aprendizado do inglês, mas fazendo um curso diferente”.  

'Correr mundo'

Quando pedimos para a Sandra fazer um balanço do período que viveu em Melbourne, ela afirma: “Foi uma das melhores experiências que tive na vida. Eu conheci pessoas maravilhosas e aprendi que a vida não precisa ser uma constante.”
(O intercâmbio) foi uma das melhores experiências que tive na vida. Eu conheci pessoas maravilhosas e aprendi que a vida não precisa ser uma constante.
Sandra conta que tinha um grupo de amigos no Brasil há anos, mas que chegou em Melbourne e conheceu muita gente legal. Pessoas que não tinham a mesma idade que ela. “Foi uma surpresa maravilhosa. Aprendi que posso buscar grandes amizades em qualquer tempo e lugar.”
Sandra brasileiros
Sandra ao lado de amigos que fez na Austrália: "Aprendi que posso buscar grandes amizades em qualquer tempo e lugar". Source: Supplied
Para Sandra, no Brasil as pessoas mais velhas são tratados de uma forma diferente e por isso tem uma tendência a se retrair mais. “Quando eu cheguei aqui só tinha gente jovem no meu meio e eles me acolheram. Então acho que pode ser assim em qualquer lugar, inclusive no Brasil.”
Quando cheguei em Melbourne só tinha gente jovem no meu meio e eles me acolheram. Então acho que pode ser assim em qualquer lugar, inclusive no Brasil.
Sobre os planos para o futuro, Sandra diz que depois de passar um período descansando nas montanhas de Minas Gerais, sua terra natal, ela quer explorar outros lugares. “Penso em ir para a França estudar francês, pois aprendi um pouco do idioma quando cursei o ensino médio no Brasil. E quem sabe espanhol na Espanha? Eu quero correr mundo. A gente tem que viver, não só passar pela vida”.


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