Morreu Eduardo Lourenço, o sábio cosmopolita que correu o mundo a pensar Portugal e a Europa

Eduardo Lourenço em entrevista à RTP em 1992: autor de 35 livros, foi um homem de simplicidade extraordinária, mas grandeza imensa

Eduardo Lourenço em entrevista à RTP em 1992: autor de 35 livros, foi um homem de simplicidade extraordinária, mas grandeza imensa. Source: RTP

Ele tratava de refletir sobre a matriz identitária da União Europeia e se vai em meio às negociações do Brexit, que chegam ao último mês


O maior ensaísta português e um dos grandes pensadores europeus do século XX morreu neste 1º de dezembro, aos 97 anos. 

Foi filósofo, ensaísta, professor e, sobretudo, um pensador imprescindível, conseguiu captar, de forma única, o lado luminoso e obscuro da cultura portuguesa ao longo de mais de 70 anos a escrever pensamento.

Extraordinário contador de histórias e sutil observador da realidade, tornou-se uma das maiores referências da cultura portuguesa, quer pela sua extensa obra, quer pela inesgotável profundidade e originalidade.
Homem de espírito livre, cosmopolita, olhar profundo, sempre com grande abertura, veio da filosofia mas o mundo dele também foi sempre entre poetas. A impiedosa análise de Portugal em O Labirinto da Saudade (1978) tornou-o conhecido do grande público e transformou-o, um tanto paradoxalmente, no ultra-requisitado pensador de serviço do “destino português”.

Mas também devemos a este sábio que ensinou, em universidades europeias e do Brasil, algumas das mais iluminantes e sedutoras páginas que se escreveram sobre poesia e poetas, e no centro das quais brilha o seu íntimo confronto com o génio de Fernando Pessoa.

Ouvir falar Eduardo Lourenço era sempre escutar uma lição de inteligência, às vezes até parecia estar a divagar. Mas, logo num repente, colocava-nos perante a atualidade mais premente, muitas vezes a fazer-nos pensar sobre nós, as nossas contradições, muito sobre a nossa Europa. Todos somos europeus e muito mais do que o que julgamos ser, pôs-nos ele a ponderar. E com este acrescento: sobretudo quando estamos perante uma cultura que não é a europeia.

Em 91, Eduardo Lourenço publicou em França L'Europe Introuvable. O livro foi publicado 10 anos depois em português, mas o título – a Europa desencantada, não tem a profundidade do da edição francesa.

O sábio Eduardo Lourenço tratava de refletir sobre a matriz identitária da União Europeia. Porventura, Roma o Império Romano, que nos fez pensar ( disse-o numa conferência na Extremadura espanhola) que seríamos os Quixotes do mundo. Mas esse um paradigma que nunca conseguimos atingir, por isso somos um conjunto de nações insatisfeitas e contraditórias, herdeiras de um passado forjado em guerra civil quase permanente.

Ficamos na utopia e com um problema que subsiste – a vaga nacionalista que a partir do século 19 ditou as catástrofes do século 20 – que, como vemos não está superada.

Eduardo Lourenço deixa-nos num tempo em que, apesar da crise tremenda que a pandemia trouxe, há um fôlego trazido por uma liderança europeia: Ursula van der Leyen, audaz, solidária, como não se via desde o tempo de Delors.

É um desafio que puxa por Portugal, já daqui a um mês a liderar o semestre de presidência europeia, com boas aspirações, mas a enfrentar múltiplas crises. Uma delas, o Brexit está a chegar a hora H.

Passaram 1623 dias desde aquele 23 de junho de 2016, em que os britanicos, em referendo, foram levados a escolher o divórcio. Nestes 4 anos, vivemos União Europeia e Reino Unido em quartos separados, com vidas separadas,  mas ainda com as regras da anterior vida em comum. Estamos em cada uma das margens do canal da mancha em fase transitória a negociar que o divórcio ainda possa ser amigável.

A questão é que passaram mais de 4 anos e agora faltam apenas 29 dias para o divórcio. 47% das exportações britanicas têm por destino a Europa, cerca de 10% das exportações do conjunto europeu vão para o Reino Unido. Sem acordo nestas 4 semanas, a partir de 1 de janeiro, milhares de camiões tir – entre eles, muitos portugueses - vão ficar encravados em problemas na alfândega do Canal da Mancha.

 Por enquanto, ainda há quatro semanas para a política com diplomacia e cálculo económico. A negociação tem sido longa, imagina-se que tarefa extenuante. Mais de 90% do necessário está tratado, mas vai por água abaixo se não houver acordo no que falta.

E o que está em branco é crítico. Há um tema quebra-cabeças que desperta fantasmas de passado recente violento. Onde fica a fronteira com a ilha irlandesa, será que vai voltar a fronteira dura entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte? Hipótese que assusta. Ou ficam as Irlandas juntas e a fronteira faz-se no mar?
Outra crítica divergência: num setor que mexe com a vida de muita gente em diferentes países, Portugal incluído, é a pesca. O acesso à pesca nos vastos mares do norte. Os britânicos insistem em remeter tudo para acordos anuais. Ora os negociadores europeus sabem que isso representa uma inaceitável instabilidade para o setor. Não aceitam.

Finalmente, as questões da igualdade na concorrência.

Bruxelas exige que as duas partes se comprometam com a lealdade recíproca em questões como as sociais, as ambientais, as fiscais, as de ajudas públicas e também proteção dos consumidores.

Após 4 anos, restam agora quatro semanas para negociar e acordar tudo. Ou nada. É como se estivéssemos num jogo em que nenhuma parte vence sem a outra. Ou vencem ambas, ou perdem as duas.

A saída de cena de Donald Trump entra aqui como problema para os britânicos. Não é de esperar a relação especial antes prometida. O relógio não para. Portugal tem o aliado no lado oposto, quer juntamente com a União europeia, a continuação de boa relação de cooperação.

Eduardo Lourenço deixou-nos esperança. Quando recusou a ideia de velha Europa como continente que ficou parado no passado, não, lembrou-nos o nosso sábio: a Europa é o lugar onde se discute onde a solidariedade e a liberdade valem. É lugar onde se cria, onde se inventa.

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