Gaúchos na Austrália se mobilizam para arrecadar dinheiro para as vítimas da tragédia no RS

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Bianca Louise Santos (esq.), de Camberra, Carmela Kullmann, de Sydney, e Valter Francisco de Oliveira (Sydney) são apenas alguns dos muitos gaúchos, entre outros brasileiros, que estão na coordenação de eventos e 'vaquinhas' para ajudar financeiramente as vítimas das mega-enchentes que assolam o Rio Grande do Sul.

Comunidade brasileira se une em 'vaquinhas', brechós, baladas, peladas e sausage sizzles para angariar fundos que ajudem a amenizar a situação catastrófica que vivem os moradores do Rio Grande do Sul. 'Praticamente toda a gauchada que mora aqui conhece alguém afetado pelas enchentes. Todo dia tem uma mensagem com pedido de socorro', diz um deles.


São por volta de 150 mortos até o momento, mais centenas de desaparecidos, 800 feridos e 76 mil pessoas resgatadas. É o recorte de momento para números que não param de subir. 81 mil estão em abrigos e 528 mil foram para casas de parentes e amigos. No total, duas milhões de pessoas foram afetadas em 447 municípios pelas enchentes que assolam o Rio Grande do Sul nas últimas semanas - e que não tem sinais de arrefecer pelos próximos dias.
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Veículos submersos em São Leopoldo (RS) durante as enchentes, que seguem sem dar trégua no Rio Grande do Sul. Source: AP / Andre Penner/AP
Segundo a Defesa Civil, um em cada 20 moradores do estado foram desajolados. É a marca macabra de que as mudanças climáticas saíram das projeções de futuro dos ambientalistas para estarem presentes no dia a dia das pessoas, no Brasil e em outras partes do mundo.

Junto do luto de perder amigos e parentes há também a dor da perda de bens materiais e não materiais. Não são apenas casas e veículos perdidos a muitos que já não têm muito, mas também animais de estimação, objetos, fotos, lugares e infinitas recordações.

O que está havendo na região sul do Brasil tem pouco ou nenhum precedente. O impacto na economia das pessoas, do estado e das empresas gaúchas deve durar anos. Cidades precisarão ser remanejadas sob o risco de verem a tragédia se repetir a partir das mudanças climáticas. Há milhares de pessoas sem água potável, sem luz e com dificuldades em acessar comida. O aeroporto da capital Porto Alegre está fechado por ao menos um mês, e seu funcionamento pleno está comprometido até lá sabe-se quando. As seguradoras deverão bater o recorde brasileiro em pagamento de sinistros - e muitas das pessoas afetadas pela tragédia nem seguro têm.
A gente vê que a forma de ajudar daqui hoje é doando dinheiro, uma quantia que pra nós aqui é pequena, pra eles pode ajudar muito
Bianca Louise Santos, de Camberra: "A forma de ajudar daqui hoje é doando dinheiro, uma quantia que pra nós aqui é pequena, pra eles no Brasil pode ajudar muito".
Mas, entre tantas notícias ruins, há de se valorizar a impressionante mobilização da população gaúcha para ajudar o semelhante. E isso se estende 'as centenas, talvez milhares de gaúchos que vivem na Austrália, uma parcela pequena, porém barulhenta dos brasileiros que vivem nesta parte do mundo. E não só os gaúchos estão tentando fazer alguma coisa para mandar dinheiro ao país natal.

Conversamos com alguns deles.

A dor chega via whatsapp

Os gaúchos na Austrália vivem o difícil dilema de acompanhar pelas redes sociais o drama de familiares amigos no Brasil sem poder estar perto deles.

É o caso, por exemplo, de Carmela Kullmann, que mora em Sydney. Ela vivia em Canoas antes de se mudar para a Austrália. Carmela começou a entender a dimensão da tragédia em sua família via whatsapp.

"Fui me dar conta do que tava acontecendo quando recebi mensagem de uma prima, que tem uma bebezinha de um ano, que mora em Canoas pedindo pra passar o contato do meu pai, pra ele poder ir pra casa dele. Aí fui entender que acontecia algo forte. Minha família não é de ficar me mandando muita mensagem nem pra pedir socorro nem pra contar nada quando acontece algo, porque sabe que a gente fica muito preocupado aqui. (...) Liguei pro meu pai e ele me contou que a minha prima Nádia foi pra lá com a bebê e o marido Cássio porque a situação é bem feia na parte baixa de Canoas e é onde tem água até em cima. Aí fui identificando que era uma enchente que a gente nunca viu. Logo depois meu pai recebeu minha tia, irmã dele. Tiveram que buscá-la de barco, uma pessoa de 83 anos que teve que ser resgatada. Aquilo me bateu de maneira muito forte."
Carmela Kullmann
Carmela Kullmann ao lado do letreiro do sausage sizzle que organizou em Sydney.
Vanessa Freitas, de Porto Alegre que vive em Sydney, viveu a agonia de perder o contato com os primos em Eldorado do Sul por quatro dias.

"Tenho dois primos em Eldorado do Sul que ficaram desaparecidos por quatro dias. Foram dias muito difíceis para minha tia, que não sabia onde estavam. Depois de quatro dias, conseguiram contato falando que estavam no segundo andar de uma casa de um vizinho, que enão estavam molhados e que os barcos de resgate passavam e deixavam comida pra eles, mas que eles não eram considerados prioridade pra serem evacuados."
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Vanessa Freitas ao lado do namorado na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre, há pouco mais de um ano: toda esta área segue inundada após a cheia do Guaíba.
Bianca Louise Santos, de Novo Hamburgo e moradora de Camberra, acompanha o drama de familiares e amigos via Instagram com o coração na mão.

"Tenho uma amiga de Novo Hamburgo que teve a casa atingida e conseguiu ir pra casa da filha dela. Ela ta muito abalada. A condição já não é boa, eles vivem de uma forma simples, com toda a dificuldade que se tem no Brasil, e ainda tem que passar por isso. Não vão ser fáceis estes próximos meses."

Valter Francisco de Oliveira, conhecido como Chicão Gaúcho, é o cônsul-geral da torcida do Grêmio na Austrália. Ele faz parte dos Canarinhos, o grupo de brasileiros que já há mais de 50 anos bate bola aos domingos no Centennial Park, de Sydney. O sentimento de tristeza com as notícias que vêm dos familiares é generalizada.
Praticamente toda a gauchada que mora na Austrália conhece alguém afetado pelas enchentes. Todo dia tem uma mensagem com pedido de socorro... É uma angústia, não tem quem não esteja com o coração partido.
Valter Francisco de Oliveira, de Sydney.
Bem, coração partido é duro, mas não ajuda. E a maneira que vários gaúchos na Austrália encontraram para ajudar os conterrâneos foi mobilizar para arrecadar dinheiro e enviar a familiares, amigos e instituições sociais que estão na luta de frente salvando pessoas e cuidando de quem precisa, em meio ao caos que vive o Rio Grande do Sul - e não só gaúchos, pessoas de várias partes do Brasil estão com a mão na massa na Austrália.
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O sausage sizzle organizado pelas gaúchas em Northern Beaches: da esquerda para direita, Maria Eduarda Rochenbach, Daphni Pacheco, Priscila Rodrigues Kern, Carmela Kullmann e Luciana Fabero. Foto: Daniel Paranahyba/supplied
Carmela Kullmann trabalha em uma grande rede de supermercados nas Northern Beaches de Sydney. Com a ajuda de colegas, ela e outras mães fizeram na porta do mercado um sausage sizzle no fim de semana que buscou arrecadar fundos para enviar ao estado natal, em conjunto com as amigas Luciana Fábero, Priscila Rodrigues Kern, Daphi Pacheco, Madison Carn e Eduarda Rockenbach..

"Não poder fazer nada é um sentimento que não desejo pra nenhum ser humano. A única maneira que encontrei foi realizar um evento no Woolworths de Mona Vale, onde eu trabalho. Os meus gerentes, vendo como eu estava, se ofereceram pra fazer todo o sponsor deste evento, que é um sausage sizzle, pra arrecadar fundos e mandar pro RS.
A gente está bem aqui, vivo e com saúde. A gente pode ajudar. Se tiver que fazer eventos brechós, rifas, a gente tem que fazer. É o nosso povo, é onde a gente nasceu.
Carmella Kullmann, de Sydney,
Carmela e outras mães do grupo têm filhos autistas. Elas sabem por experiência própria o quão árduo deve estar sendo para pessoas no espectro e seus familiares em meio ao caos. Este é o foco de uma parte da doação, segundo ela.

"Por própria experiência, a gente sabe bem das dificuldades da rotina diária. Algumas pessoas autistas têm grande dificuldade de se alimentarem devido a restrições, e isso fica muito difícil numa situação de catástrofe. Qualquer dor, eles não conseguem identificar, e isso faz com que tenham movimentgos atípicos, ou faz com que tenham crises que não consigam se regular normalmente como uma pessoa típica. E agora eles vão estar num abrigo onde não sabem nem quem são as pessoas que estão em volta, e vão ter que se readaptar. Vai levar um tempo pra se restabelecer, seja com as terapias, porque não acredito que as empresas nas regiões afetadas vão conseguir se restabelecer em menos de três meses."
Valter de Oliveira
Valter Francisco de Oliveira, o Chicão Gaúcho, é parte dos Canarinhos, que organizam em Sydney uma pelada seguida de churrasco para angariar fundos para as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul.
Vanessa Freitas celebra que, em um estado tão politicamente polarizado, a solidariedade está maior que as diferenças políticas.
O RS sempre foi um estado muito solidário. Tem muita gente no Rio Grande do Sul que no momento deixou qualquer tipo de partidarismo e e colocou a mão na massa. Sei que tem muitas pessoas que não compartilham da mesma visão política que a minha e que estou vendo em primeira mão ajudar nos resgates, nos abrigos, ajudando com os animais.
Vanessa Freitas, de Sydney.
Bianca Louise Santos está organizando no próximo domingo um bazar-brechó em Camberra junto com outros gaúchos, também visando arrecadar fundos, ao mesmo estilo do que houve em Dee Why, em Sydney, no último fim de semana, considerado um sucesso pelos organizadores. Ela pede a ajuda aos brasileiros em Camberra.

"Os brasileiros aqui de Camberrra se juntaram para organizar um brechó para arrecadar fundos para o Sul. Venderemos roupas, calçados, utensílios, bolos, doces, pelos próximos dois domingos. Todo mundo bem animado por fazer parte disso".

Chicão Gaúcho é um dos organizadores dos Canarinhos de Sydney para uma pelada seguida de churrasco com o objetivo neste domingo, no Centennial Park. Ele ressalta do apoio que tem recebido pelos brasileiros não-gaúchos nessas horas. Ele ressalta o apoio que tem recebido de outros brasileiros.
Impressionante o carinho que tenho recebido de toda a comunidade brasileira. Mostra o valor do povo brasileiro. Na hora do aperto, a gente se une, se abraça e conforta o coração de cada um.
Valter Francisco de Oliveira, de Sydney.
Em Melbourne, os DJ´s brasileiros Lorena Lee e Pivete Loro, junto da jornalista Aline Bandeira, estão organizando uma festa no dia 25 de maio com a particiapção de seis DJ´s do país. Além da própria Lorena e do Pivete Loro, vão discotecar os dj´s Lixtrado, João Gabriel Curtinhas, Vinicius Santos, Walla C e Lorena Padrini. Todo o dinheiro arrecadado na noite também será destinado às vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul.

A , uma entidade sem fins lucrativos na Austrália feita por brasilerios, também está arrecadando doações, inclusive através de uma série de eventos.

A SBS não divulga dados específicos sobre crowdfundings ou 'vaquinhas' nem dá suporte a nenhum evento específico. Aos interessados em contribuir com estes eventos, vale entrar em contato com os responsáveis diretamente pelas redes sociais deles. Em praticamente todas as grandes cidades australianas há brasileiros organizando eventos de arredacação para as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul.

E lembre-se: vale pedir aos organizadores de evento as notas de transações e outras provas de que o dinheiro foi realmente destinado a quem deveria.
A gente que agradecer pela cama que a gente tem pra dormir, o banho que pode tomar. Essas coisas parecem pequenas, mas quando não se tem mais é que a gente sente.
Bianca Louise Santos, de Camberra.
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