Racismo no futebol em Portugal: ação policial para identificar quem insultou Marega

Moussa Marega

Após insultos Marega abandona o relvado contra a vontade de colegas e equipa técnica. Episódio teve repercussão mundial. Source: AAP Image/EPA/HUGO DELGADO

Portugal levanta-se contra o racismo depois de o jogador Marega, do FC do Porto, ter sido insultado com sons que imitam os emitidos por macacos.


Até domingo, em Portugal, toda a gente tinha a questão da eutanásia como discussão principal, porque o parlamento se prepara para aprovar a descriminalização da morte assistida por médicos, mas desde domingo um outro tema, o do racismo, especificamente o do racismo nas bancadas dos estádios de futebol, suplantou tudo o mais, com um caso que está a mobilizar em uníssono, tanto o mundo do futebol como as mais cimeiras figuras políticas do país.

É como um levantamento geral contra expressões de racismo, aliás, com a polícia já em ação para identificar e levar a tribunal quem se envolveu em gritos racistas.

Tudo tem por palco o estádio de futebol do Vitória de Guimarães, equipa do norte de Portugal.

Neste domingo, em jogo da 21ª das 34 do campeonato português de futebol, o Guimarães recebeu o Futebol Clube do Porto, equipa neste momento muito estimulada (há 10 dias estava a sete pontos do líder, Benfica, entretanto o Porto ganhou ao Benfica e o Benfica perdeu também com o Braga; assim, subitamente, o Porto está a apenas um ponto do Benfica e a luta pelo título de campeão, reaberta).

Aos 60 minutos de jogo, Moussa Marega, avançado franco-maliano do FC do Porto, marcou o golo que colocava o Porto a vencer o desafio por 2-1. Marega foi exuberante nas celebrações: aquele era o golo nº 100 que ele marcava pelo Porto e, para além do número redondo, era um golo que colocava a equipa a ganhar e assim a apenas um ponto do rival Benfica.

Os adeptos do Guimarães começaram por assobiar Marega, que já tinha sido jogador da equipa da casa. Dos assobios passaram para cânticos racistas sobre a cor negra da pele do jogador e, seguidamente, das bancadas ouviram-se sons que imitavam os emitidos por macacos. Em paralelo, expressões como “macaco”, “chimpanzé”e “preto” ecoaram no estádio vimaranense.

Face a esses insultos, Moussa Marega tomou a decisão de abandonar o jogo. Mostrou-se irredutível, mesmo depois de alguns jogadores da sua equipa e Sérgio Conceição, treinador portista, terem tentado demovê-lo, ainda em campo. Depois de pedir a substituição, Marega apontou para as bancadas do recinto vimaranense, com os polegares para baixo, numa situação que originou uma interrupção de cerca de cinco minutos.

A equipa do Porto ainda ponderou abandonar o jogo, mas acabou por não o fazer, provavelmente a pensar

na importância daquela vitória na luta pelo título. Mas a indignação começou ali.

Milhões de pessoas assistiam a tudo pela transmissão em direto pela televisão.

Da parte das mais altas instâncias políticas portuguesas, a condenação foi imediata. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, estava numa escala no Dubai, no regresso d visita oficial à Índia, foi-lhe contado o que se passava em Guimarãese logo quis dizer que a “Constituição da República Portuguesa é muito clara na condenação do racismo, assim como de outras formas de xenofobia e discriminação”.

 Logo a seguir, o primeiro-ministro, António Costa, manifestou “total solidariedade” e reforçou que “nenhum ser humano deve ser sujeito a esta humilhação”. “Ninguém pode ficar indiferente. Condeno todos e quaisquer actos de racismo, em quaisquer circunstâncias”, escreveu António Costa na sua conta pessoal no Twitter.

Manuel Carvalho, diretor do influente jornal Público, escreve no eitorial: o insulto dito e repetido ao longo de intermináveis minutos, dirigido por centenas ou talvez até milhares de pessoas a Marega, aconteceu com a intencionalidade com que se usam as armas que ferem: foram ditos por um bando de bárbaros que acredita na sua supremacia racial, gritados em coro para reforçar o sentido dessa superioridade, repetidos ao longo do jogo para que a ofensa pudesse chegar à humilhação.

Se, desta vez, o racismo dos “ultras” dos estádios não morreu na condescendência dos que os toleram em nome da paixão pelo futebol, foi por causa de Marega. O caso atingiu a dimensão que atingiu, com direito a declarações do primeiro-ministro e do Presidente da República, porque o futebolista teve a coragem de assumir que há limites de tolerância à barbárie. Num jogo de máxima importância para as ambições do seu clube no campeonato, com milhares de pessoas a ver na televisão ou no estádio, Marega não caiu no relativismo, e saiu.Conclui Manuel Carvalho: Ao decidir sair, o futebolista deu um murro nos brandos costumes e obrigou um estádio, um clube e todo o país a encarar o problema do racismo.

O caso Marega é, por isso, grave,  e tem de nos obrigar a reflectir sobre essa realidade e a exigir medidas para que se combatam.
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