Voto dos Portugueses na Austrália: "O futuro está na chave móvel digital e no voto pelo telefone"

Portugueses querem votar pelo telemovel

Portugueses querem votar pelo telemovel Source: AAP Image/AP Photo/Jenny Kane

Há muitos anos que se discute o formato do voto dos portugueses que vivem fora de Portugal, incluindo na Austrália, e de como se pode melhorar e, consequentemente, facilitar a participação política dos eleitores emigrantes na diáspora. O tema é polémico e aparentemente desafia o poder financeiro, estratégico, de antecipação de problemas e de eficácia de processo do estado português na resolução desta matéria.


A discussão sempre foi acesa, mas agora ainda mais, ou não fosse esta nova geração de emigrantes portugueses altamente qualificada e adepta de ideias alternativas e das novas tecnologias. Mas ainda há um longo caminho a percorrer. E a verdade é que, enquanto todos comentam as dificuldades de mais uma ida às urnas, entretanto as eleições vão acontecendo e desta vez até António Costa, líder do Partido socialista e primeiro-ministro há já 6 anos, deve ter ficado surpreendido com a sua maioria absoluta. Quem sabe se outras surpresas teriam acontecido nestas eleições, caso os milhares de portugueses no estrangeiro que queriam, e não conseguiram votar, tivessem efetivamente exercido o seu direito?

As estatísticas finais destas eleições ainda estão por apurar. Os últimos estudos serão publicados nos próximos dias. Por enquanto, sabemos que tivemos 7,970 eleitores na Austrália aquando das Legislativas de outubro de 2019 e que, este ano, contamos com 1,5 milhão de portugueses potenciais votantes espalhados pelo mundo. Mas, à semelhança de anos anteriores - em 2022 com a agravante dos obstáculos impostos pela pandemia mundial – espera-se uma taxa de abstenção da comunidade portuguesa que está fora do país que, a verificar-se o que é expectável, refletirá uma série de problemas que deverão, e poderão, ser combatidos no futuro.

Na Austrália, onde o voto nestas eleições foi por correspondência, a SBS ouviu os portugueses e as suas experiências de participação. Em cinco pessoas contactadas, apenas uma delas, Luís Rodrigues de Melbourne, conseguiu efetivamente votar:
Entreguei o meu boletim de voto nos correios. Mas saber se o meu voto foi contabilizado é ainda uma incógnita
Para Luís Rodrigues, a solução para o fim dos maiores obstáculos ao voto passa, sobretudo, pelas novas tecnologias:
Acredito que o voto eletrónico através da chave digital é o futuro. Espero eu.
Já Ana Mendes, residente em Sydney, é o exemplo claro da situação de tantos e tantos portugueses que se queixam dos atrasos, da imprevisibilidade e da ineficácia do voto por correspondência que foi disponibilizado aos portugueses nestas eleições:
O meu boletim de voto chegou a casa tarde de mais. Já não fui a tempo de me deslocar aos correios
Ana Mendes refere ainda algo curioso: “Por incrível que pareça, o meu marido está até hoje [8 de janeiro] à espera de que o seu boletim de voto chegue à caixa do correio".

A SBS também contactou o Consulado Geral de Portugal em Sydney, que respondeu com um e-mail explicativo dizendo que todo o processo eleitoral está descrito no Portal da Comissão Nacional de Eleições. Citando as palavras que recebemos:

1) Relativamente ao processo eleitoral, o mesmo resulta da Lei; todo o processo está descrito no Portal da Comissão Nacional de Eleições, reiterado nos portais das Embaixadas, Consulados Gerais e Consulados por todo o Mundo, tendo sido cumpridas as disposições legais impostas. 2) Quanto ao resultado eleitoral, o resultado dos círculos eleitorais do território nacional já é do conhecimento público; o resultado dos restantes círculos (Europa e Fora da Europa) encontram-se por apurar”.

Já, segundo a agência de notícias portuguesa Lusa, a secretária de Estado das Comunidades, Berta Nunes, expressou a opinião de que os emigrantes portugueses que não conseguiram votar no estrangeiro “não terão estado atentos” ao processo de voto nas eleições legislativas e que “deviam ter-se inscrito”.

Mas para Paulo Costa, técnico de informática que viveu em Inglaterra durante 10 anos, o problema da abstenção não está propriamente na “falta de atenção” dos portugueses. Paulo Costa é presidente da associação Também Somos Portugueses (TSP), que nasceu não como associação, mas antes como movimento, em 2015, adquirindo o estatuto de associação muito recentemente - dezembro de 2021. Já implantada em Portugal, França, Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo, Reino Unido, Alemanha, Brasil e Estados Unidos, a TSP afirma-se hoje como associação cívica internacional que defende os direitos dos milhões de portugueses no estrangeiro.

Tudo começou pela iniciativa de convencer os portugueses em Londres a votarem para o Parlamento Europeu e para as Autarquias inglesas. O primeiro ato cívico da TSP foi então uma petição realizada para tentar resolver os dois maiores problemas detetados no exercício do voto dos portugueses no estrangeiro. Como resultado dessa petição, a TSP conseguiu o seu primeiro grande feito que foi a instauração do recenseamento automático, sendo que nas eleições de 2019 para a Assembleia da República, em vez dos cerca de 300 mil votantes habituais passou a haver um milhão e meio de votantes, com muitos portugueses a receberem o boletim de voto em casa pela primeira vez.

Neste momento, a luta da TSP é pelo voto eletrónico que, segundo Paulo Costa “já está bem encaminhado” e também passa por “maior implementação local, por forma a dar mais razões às pessoas para votarem”. O passo natural seguinte será o voto digital, que ao contrário do voto eletrónico nem exige que o votante se desloque ao Consulado para votar na máquina, podendo fazê-lo pelo telemóvel.

Mas regressando aos dois maiores problemas no acesso ao voto, Paulo Costa não tem quaisquer dúvidas na identificação dos mesmos:
Os dois maiores obstáculos ao voto no estrangeiro identificados são, primeiro, o funcionamento dos correios que é um problema permanente pois o estado português nunca conseguirá controlar os correios dos diferentes países do mundo; segundo, o processo de atualização das moradas dos portugueses no estrangeiro que, esse sim, é um problema que o estado português pode melhorar
Este ano, devido à COVID-19, tudo piorou e milhares de portugueses na diáspora que desejavam votar, simplesmente não conseguiram fazê-lo ou por doença, ou por isolamento social imposto ou, simplesmente, por impedimento logístico ou falta de informação processual:
O COVID-19 foi um problema que naturalmente afetou muito o voto dos portugueses no mundo inteiro nestas eleições
A TSP está neste momento com um inquérito a correr mundo, nas redes sociais e com o apoio de vários órgãos de comunicação social internacionais, que tem como objetivo fazer um estudo aprofundado sobre o processo de voto na diáspora, mas também para dar voz a todos os emigrantes portugueses acerca da sua opinião na matéria.

O objetivo máximo deste inquérito vai ainda mais longe. Este documento que está ao dispor de todos pretende demonstrar que a solução de futuro está no voto digital através do uso da chave móvel digital, a qual facilitará a vida de todos os portugueses residentes fora de Portugal, não só em tempo de eleições, mas em qualquer situação de necessidade de solicitação de serviços consulares, tal como explica Paulo Costa:
O voto digital pelo telemóvel é o futuro. O nosso objetivo é ter, pelo menos, meio milhão de votantes nas próximas eleições. É um número ambicioso, mas que ainda está longe do 1,5 milhão de votantes possíveis que sabemos que temos pelo mundo
Paulo Costa também reforça que a TSP defende uma solução híbrida, já que os portugueses são uma comunidade de origem cultural rica e diversa, e de experiências de vida e necessidades variadas: “Defendemos uma situação híbrida que possa chegar a todos, com o voto presencial que será sempre o mais prático para a comunidade que vive próxima de Consulados ou que é mais velha ou menos tecnológica. E depois, o voto digital para quem não tem acesso fácil aos Consulados [principalmente, em países como a Austrália onde as distâncias são enormes] e está mais à vontade com o uso dos telemóveis

Na Austrália, talvez ainda mais do que noutros países do mundo, a distância de Portugal é realmente tão grande que pode levar a um certo desinteresse pela política portuguesa. Depois, pelo que Paulo Costa também tem observado, também há emigrantes portugueses que estão “zangados” com o seu país, nomeadamente os que partiram em plena crise económica da última década.
Muita gente emigrou nos últimos 10 anos por estar zangado com Portugal, por querer ganhar melhor ou por estar desempregado. Estas pessoas poderão não ter vontade ou interesse em envolver-se na vida política do país e depois acabam por não votar nas eleições
Paulo Costa termina, acrescentando que cabe ao estado português “limpar a imagem do país e, assim, motivar os portugueses a envolverem-se mais com a política nacional que, no fundo, irá sempre, direta ou indiretamente, ter impacto nas suas e nas vidas das suas famílias por mais longe de Portugal que estejam”.

Se é português e não teve ainda a oportunidade de saber mais acerca do processo eleitoral na Austrália, aqui está um dos links onde poderá obter mais informação: 

 Para participar dos fóruns de discussão e tomar parte do inquérito da associação Todos Somos Portugueses, siga este link: 

 Para saber mais sobre a situação específica da Austrália, contacte diretamente o Consulado Geral de Portugal em Sydney: 

Ou a recorra diretamente à Embaixada de Portugal na Austrália




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